LIVRO CONTA HISTÓRIA DA MÚSICA BRASILEIRA EM 100 IMAGENS
Escrito por.Direto da Redação on 29 de novembro de 2021
A imagem que abre o recém lançado livro “História da Música Brasileira em 100 Fotografias” (ed. Bazar do Tempo) mostra pessoas negras escravizadas tocando tambores no Rio de Janeiro em 1865, em registro de Cristiano Jr. Muitas páginas depois, quando chegamos ao retrato de número 100, encontramos Elza Soares em foto de Steph Munnier, em 2015. Entre as duas imagens, estão 150 anos. E é neste século e meio que a música brasileira como a conhecemos hoje nasce, se desenvolve em inúmeras vertentes e torna-se a expressão artística que melhor soube traduzir as dores e alegrias de se viver no Brasil.
Selecionar 100 fotografias que representassem uma história tão rica foi o desafio que a editora Ana Cecilia Impellizieri Martins levou aos curadores Hugo Sukman e Rodrigo Alzuguir. “Tivemos mesmo a ambição de contar a história da música brasileira através de imagens. É um trabalho árduo escolher cem dentre milhares de fotos e, ao mesmo tempo, contar uma história e mostrar a abrangência da música brasileira. É algo muito cuidadoso e delicado”, conta Sukman.
Virar as páginas do livro é embarcar em um trem que faz parada em Brasis tão diferentes quanto ricos em suas criações musicais: da imagem do nascimento do samba na Praça Onze, no Rio de Janeiro de 1915, que traz diversos anônimos reunidos na fotografia de Guilherme dos Santos, a Beth Carvalho com o bloco de Cacique de Ramos em festa, num registro de Guto Costa em 2011; de Nelson Freire, Arthur Moreira Lima e Luiz Eça em clima sofisticado, todos em volta de um piano, a Tonico e Tinoco dividindo o mesmo microfone em foto de Silvio Correia, nos anos 70.
Esta ‘conversa’ entre as representações não foi proposital, segundo Sukman. “Há uma foto linda da Inezita Barroso como que escrevendo uma partitura. Ela foi a cantora que levou a música caipira para o rádio e para o disco; esta imagem dialoga com uma foto do Chitãozinho e Xororó, que estão diante de um estúdio supermoderno. As duas imagens evidenciam essa trajetória da música caipira”, diz. Ele cita outro exemplo, vindo da Bahia. “Temos Dorival Caymmi num barco de pescador, lá nos anos 50, e outra foto da Daniela Mercury cantando para uma multidão no vão do MASP nos anos 90. Ou imagens da origem do samba na Praça Onze… e depois encontramos Paulinho da Viola e Elton Medeiros se apresentando num teatro.”
O processo todo levou pouco mais de 2 anos. Juntou-se à editora e aos autores um time de pesquisadores de imagens e especialistas em cultura brasileira. Segundo Sukman, o maior desafio não foi encontrar as imagens — um sinal de que as evoluções da fotografia e da música no país se deram de forma mais ou menos paralela —, mas sim realizar o processo de depuração para chegar às 100 fotografias.
“Por exemplo, tínhamos que escolher duas imagens do rock brasileiro. Descobrimos que havia uma foto do fotógrafo Maurício Valladares que reunia a Legião e os Paralamas. Escolhemos essa. Aí, a partir desta imagem icônica, a gente usou o texto para abranger os outros nomes daquele movimento.”
Segundo Maurício Valladares, a foto histórica aconteceu de maneira despretensiosa. “Não lembro bem onde foi essa imagem, talvez no estúdio da EMI-Odeon. Mas com certeza tudo aconteceu muito rápido e sem preparativos”, relembra. “Mas ela representa a ligação das bandas de uma forma superbem animada, como sempre foi. E a cada minuto que passa ela ganha mais significados.”
A produção cultural de um país não está dissociada de sua vida política, econômica e social. Esta é uma das características mais interessantes do livro, na visão de Sukman: a possibilidade de interpretarmos o Brasil a partir da sua música.
“No Brasil, como em poucos países, a cultura popular predomina. Ela é superior à cultura erudita. O Brasil tem uma música rica, alguns dizem que é a mais rica do mundo, e eu acredito que seja — riqueza no sentido de variedade e em aspectos puramente artísticos —, e acho que isso só se dá, e o livro o mostra, pela riqueza da nossa formação”, observa o curador.
Se a máxima que diz que uma imagem vale mais do que mil palavras tem uma face verdadeira, é possível dizer que a música brasileira usou e abusou deste atributo, criando um imaginário próprio e muito conhecido, o que dificultou a tarefa dos pesquisadores. “É raro aparecer alguma imagem que a gente nunca viu. Mas uma foto que nos surpreendeu a todos foi a do Nelson Cavaquinho, o rei da fossa do Rio de Janeiro, bebendo com o Lupicínio Rodrigues, do Rio Grande do Sul, os dois juntos num botequim em 1974. A gente nunca imaginou que havia um registro assim”, relembra. Esta imagem estava no Instituto Moreira Salles e integra a coleção do crítico musical José Ramos Tinhorão, falecido em agosto.
Vinicius de Moraes e Tom Jobim
“Outra escolha inusitada é a imagem do Clube da Esquina. Eles são muito fotogênicos, e existem milhões de fotos boas. E o Cafi [o fotógrafo Carlos Filho, um dos mais importantes nomes da fotografia musical brasileira, que faleceu em 2019] registrou muitas vezes o grupo, ele era praticamente membro do Clube. Escolhemos a foto em que o grupo aparece num ônibus e o Toninho Horta faz as vezes de trocador. Optamos por uma imagem pouco conhecida’’, explica.
A era da música-imagem como uma coisa só
Estima-se que cerca de 1,5 trilhão de imagens terão sido tiradas só este ano. É seguro supor então que, dessas, apenas algumas se tornarão futuros clássicos. Dentro deste emaranhado de cliques está a penúltima foto do livro, que traz Ivan Lins, Joyce e Marcos Valle, cada um na sua casa, criando uma música pelas redes sociais. “É a única foto do livro que não tem um autor. É uma foto que não é uma foto, é um flagrante de como uma canção é feita hoje”, completa o curador.
A compreensão atual e quase pessimista de que fazemos imagens para nunca serem vistas não recai mais da mesma forma sobre a iconografia contemporânea da música brasileira após a Covid-19. O livro estava em vias de finalização quando essa nova-antiga mania de se fazer música à distância ganhou um novo fôlego em meio ao isolamento. A cantora paulista Mônica Salmaso, por exemplo, tornou-se um dos hits da pandemia ao fazer mais de uma centena de vídeos em que convidados ilustres, como Chico Buarque e João Bosco, dividiam a tela com ela em performances exclusivamente criadas para o Instagram.
Segundo Sukman, “as transformações tecnológicas são brutais, tanto para a música quanto para a fotografia. Estamos vivendo um momento complexo de transição para ambas, mas elas continuam aí. A música continua viva, e a grande fotografia vai sempre existir. A expressão no rosto da Cássia Eller, as mãos do Roberto Carlos segurando as rosas… isso só a fotografia é capaz de fazer”, exemplifica.
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