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A RESILIÊNCIA DAS CAPAS DE DISCO NA ERA DOS THUMBNAILS - Rádio Solar Brasil

A RESILIÊNCIA DAS CAPAS DE DISCO NA ERA DOS THUMBNAILS

Escrito por on 25 de julho de 2022

Há três capas para “Electric Ladyland” (1968), o último disco de Jimi Hendrix: a primeira, que traz a foto de um grupo de mulheres nuas sob um fundo preto, foi imediatamente rejeitada pelas lojas de discos do Reino Unido, que consideraram a imagem gratuitamente apelativa; a segunda versão, que se tornou a oficial, apresenta uma foto de Hendrix com os olhos fechados. E a terceira, desenhada à mão pelo guitarrista, é a única que ele realmente aprovou – as outras foram decisões da gravadora -, mas sua sugestão foi completamente ignorada pelos executivos. Hendrix vivia em um flat no centro de Londres nesta época, e é a poucos metros dali que agora as três capas estão reunidas na exposição “For The Record”, em cartaz na The Photographers Gallery.

Na mostra, as estrelas não são os Beatles, Diana Ross ou David Bowie, e sim os fotógrafos e designers que produziram capas icônicas para seus discos e tiveram papel fundamental no sucesso destes artistas. São mais de 200 trabalhos expostos, com foco principalmente em artistas dos Estados Unidos e da Europa. “A fotografia desempenhou um papel tão importante na evolução das capas de álbuns, bem como na formação das carreiras de fotógrafos, artistas e bandas, que estava na hora de ter uma exposição que celebrasse essa forma de arte”, diz Brett Rogers, diretor da galeria.

A sequência de três capas para o mesmo disco de Hendrix. Só a última ficou para a posteridade. Reproduções

A linha temporal da exibição vai da década de 20, quando os primeiros discos de blues foram lançados nos Estados Unidos, e para em 2010. Será então que nos últimos anos, tornadas praticamente thumbnails na telinha do celular ou do computador onde os discos são ouvidos em apps de streaming, as capas deixaram de ter o mesmo impacto político e cultural de antes?

“As capas ainda são impactantes, esperadas e geram discussões em seus lançamentos, mas as conversas sobre isso provavelmente duram menos tempo, porque logo em seguida já temos um novo assunto para ter opinião, discordar ou amar”, diz a designer e ilustradora Giovanna Cianelli, responsável pelas capas do disco “De Primeira” (2021), de Marina Sena, pela qual venceu o Prêmio Multishow de Capa do Ano, e do single “Boys Don’t Cry” (2022), de Anitta, entre outras.

Atualmente, é impensável que um artista terceirize a escolha da capa, como fez Hendrix. Na indústria musical contemporânea, é preciso oferecer ao público peças visuais impactantes – e é justamente aí que se renova a força das capas de disco, segundo o jornalista musical e colunista do UOL Leonardo Rodrigues:

“As capas podem ter diminuído de tamanho, mas não deixaram de ser valorizadas. A arte gráfica é cada vez mais essencial como marketing e arte. É praticamente impossível para qualquer músico lançar comercialmente uma obra, seja ela um álbum completo, um EP ou apenas uma música, sem pensar no desenvolvimento de uma ideia bem amarrada de capa. A principal diferença é que elas migraram das embalagens de LPs e CDs e passaram a ocupar outros espaços digitais.”

Capa de “De Primeira”, de Marina Sena, Prêmio Multishow para a sua designer, Giovanna Cianelli. Reprodução

Fotógrafos e designers têm mais demanda de trabalho do que antigamente, acredita o fotógrafo Fernando Young, autor de capas recentes de Caetano Veloso como “Meu Coco” (2021) e “Abraçaço” (2013) – este último trabalho, inclusive, premiado pelo Grammy Latino de 2013 na categoria Melhor Design de Disco:

“Abriu-se uma série de possibilidades artísticas, como a criação de visualizers, por exemplo.”

Do vinil para o CD. Do CD para o digital. Do digital para o vinil…

Apesar de enaltecer as vantagens do digital, Fernando Young diz ter saudades do formato físico. “Eu acho que é impossível não sentir uma nostalgia profunda em relação aos vinis, discos, CDs e até DVDs.”

É natural que seja assim: foram os discos físicos os responsáveis por despertar o fascínio pela música nos que nasceram antes dos anos 2000. Young lembra do impacto que sentiu quando, ainda adolescente, deu de cara com as capas de “Da Lama Ao Caos” (1994), de Chico Science & Nação Zumbi, e “Sobrevivendo no Inferno” (1997), dos Racionais MC’s.

“A imagem deste disco é um manifesto muito profundo. A minha geração era completamente ditada pela música”, ele diz.

Capa criada pelos designers Fernando Young, Rodrigo Black e Fabio Arruda. Reprodução

História parecida com a de Giovanna Cianelli, que começou a colecionar discos e vinil com 15 anos.

“Como eu não tinha grana, o jeito era garimpar em sebos por horas e horas – até achar uma coletânea que tivesse uma ou duas músicas legais, ou comprar pela capa e depois ouvir em casa”, ela recorda.

A experiência com os álbuns físicos, aliás, foi essencial para Giovanna criar a capa e o encarte de “De Primeira”.

“Esse imaginário de discos usados, que vinham com adesivos colados, dedicatórias, rabiscos, tags de preço e recortes, foi uma inspiração. Foi um sentimento muito doido quando recebi o vinil em casa!”, conta.

Leonardo Rodrigues classifica como “gigantesca” a importância das capas na era do vinil.

“Antes da internet, quando o acesso à informação era limitado, as capas funcionavam como cartão de visitas. E foi justamente para isso que foram criadas, como instrumento de divulgação. Até o final dos anos 30, os discos de 78 rotações eram vendidos em envelopes padronizados, com nomes de gravadoras e intérpretes grafados na mesma tipografia. Desde então, as capas deram brilho, desenvolveram linguagens próprias e passaram a ser extensões indissociáveis das obras. A partir dos anos 1960, com a explosão comercial dos LPs –fisicamente maiores que os de 78 rotações, com mais espaço para capas–, milhões de pessoas passaram a comprar álbuns por causa delas”, explica.

Nos anos 90, com a massificação do CD, foi preciso se adaptar: se por um lado as capas diminuíram de tamanho, por outro ganharam encartes em formato livreto, além de uma maior variedade de soluções gráficas.

Dois emblemas das capas de discos brasileiros dos anos 90, na opinião de Young. Reproduções

Um problema que nem o físico nem o digital conseguiram resolver muito bem é a apresentação dos créditos da capa – exatamente o que a exposição em Londres tenta remediar, ao destacar os fotógrafos e designers envolvidos nas capas, e não os artistas.

“Essa falta de crédito não é uma questão atual, muitos discos antigos não têm os créditos para o artista de capa. É uma pena porque parece que parte da história se perdeu ali. Hoje, apesar de não ter crédito no Spotify, uma rápida busca na internet já resolve essa questão”, opina Cianelli.

Nos últimos anos, o LP voltou a ser o formato físico preferido de muitos artistas e fãs, e até o mercado de CDs está aquecido. Como o digital não para de crescer, estamos nós diante de uma nova era de ouro para as capas de discos, em que haverá demanda para todos os formatos?

“Falar de futuro é arriscado, mas apostaria que, independentemente do suporte, enquanto existir arte pop e música pop, dificilmente as capas perderão seu lugar”, finaliza Rodrigues.

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