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BOSSA NOVA: 65 ANOS E CADA VEZ MAIS JOVEM - Rádio Solar Brasil

BOSSA NOVA: 65 ANOS E CADA VEZ MAIS JOVEM

Escrito por on 7 de fevereiro de 2023

Abramus – Gênero musical é cada vez mais presente no Brasil e no exterior.

O evento em comemoração aos 40 anos da Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes), realizado no Rio de Janeiro em maio de 2022, foi abrilhantado pela apresentação d’Os Bossa Nova. O grupo formado por Marcos Valle, João Donato, Roberto Menescal e Carlos Lyra – além da convidada ilustre Leila Pinheiro – desfilou alguns clássicos da música brasileira, como Canção de Verão, Minha Namorada e Bananeira.
O momento de maior emoção, no entanto, ficou para o bis: Chega de Saudade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, cantada em coro pela plateia ali presente. A composição lançada em Canção do Amor Demais, LP de Elizeth Cardoso de 1958 pelo pequeno selo Festa trazia a participação – não creditada – de João Gilberto ao violão. Meses depois, o próprio faria uma versão definitiva da música num compacto que trazia em seu lado B Bim Bom, uma de suas raras produções autorais.

produções autorais.

A combinação da batida do violão de João, aliado ao canto suave e inovador foi o marco zero da bossa nova, movimento musical que completa 65 anos de vida no dia 25 de janeiro, data que não por acaso marca o aniversário de Tom Jobim, um dos maiores expoentes deste gênero.

Passadas mais de seis décadas, a bossa nova não dá sinais de cansaço: continua a encantar novas plateias. “Ela inspira e influencia a produção musical nos quatro cantos do mundo: de Frank Sinatra a Billie Eilish, centenas de compositores e intérpretes já foram conquistados pelas harmonias sofisticadas e pela sutileza interpretativa características do gênero que, há muito tempo, já conquistou o seu lugar definitivo no mundo e levou a música brasileira a um patamar que nunca havia sido alcançado”, diz a escritora Bruna Ramos da Fonte, autora do livro Essa Tal de Bossa Nova.

O epíteto bossa nova vem sendo usado no país desde os anos 1930, quando o compositor Noel Rosa (1910-1937) sapecou um “O samba, a prontidão e outras bossas…”, na composição São Coisas Nossas. Bossa significaria “modo”, “maneira”. Mas no Rio do final dos anos 50, a pessoa com bossa tinha uma ginga especial, um paranauê, um borogodó, um algo a mais.

Musicalmente, a Bossa Nova traz o samba em seu DNA. O conceito artístico de João Gilberto, por exemplo, simplificava o som de uma escola de samba – algo que Gilberto Gil sabiamente definiu como “samba desossado”. Outros estilos são adicionados à mistura, entre eles o cool jazz do trompetista Chet Baker, a guitarra limpa e suave de Barney Kessel e as criações de impressionistas franceses como Debussy e Ravel Isso sem falar na influência vocal de Frank Sinatra, Julie London e Ella Fitzgerald.

A modernização do processo de gravação ajudou – e muito – na concepção da bossa nova. Os vocalistas de outrora registravam suas músicas em discos de cera, processos mecânicos de gravação onde tinham praticamente de gritar as letras para serem compreendidas. A transição se dá quando os álbuns de 78 rotações dão lugar aos long-plays. Com a eletrificação do microfone e posteriormente o desenvolvimento do processo HI-Fi, os intérpretes poderiam imprimir um tom mais suave nas canções e ver registrado em disco todos os detalhes dos instrumentos, dando lugar a orquestrações mais complexas. Foi nesse período que despontaram Dick Farney e Lucio Alves, que fizeram a intercessão entre o samba sincopado e o vocal suave do jazz americano. Uma novidade que permitiu a ascensão de intérpretes mais delicados, como Nara Leão e o próprio Gilberto.

“Trouxemos para o movimento três coisas básicas: novas harmonias mais elaboradas, novas letras de música calcadas principalmente em coisas pra cima, esperançosas evitando sempre aqueles lamentos dos sambas-canção, e por fim as batidas do violão que a gente fazia e não ficava feliz até que João Gilberto trouxe a dele e tudo arredondou”, resume Roberto Menescal, um dos bossa-novistas de primeira hora.

A bossa nova é a trilha sonora do otimismo, dos bons ventos políticos e econômicos do governo de Juscelino Kubistchek, a vitória da seleção brasileira de 1958 e a construção da nova e moderna capital Brasília. Uma euforia que se reflete nas letras, que falam de amor e temas do cotidiano – embora tenham mudado de foco durante o período da ditadura militar. “As composições refletiam o Brasil com o qual a gente sonhava”, diz Carlos Lyra no documentário Coisa Mais Linda: Histórias e Casos da Bossa Nova, de 2005. Mas o otimismo presente na parte lírica do gênero não pode ser confundido com alienação. Mesmo porque intérpretes como Nara souberam criar um canal de comunicação entre o morro e o asfalto ao trazer à tona canções de sambistas do início do século passado.

“O mais importante legado de Nara para a música brasileira se dá na simbiose entre o mundo do asfalto e do morro, como uma ‘pescadora’ de compositores esquecidos e também novos talentos que encontram nela a intérprete ideal. Sua postura em rejeitar o epíteto de ‘Musa’ em um tempo onde o machismo imperava é uma mudança de pensamento importante na indústria fonográfica e um salto de qualidade na concepção dos discos de música brasileira. Com isso, ela acaba abrindo portas e abre espaço para artistas como Nelson Cavaquinho, Zé Ketti e João do Vale. Seu disco de estreia em 1964 dá conta de exemplificar bem esse ecletismo de qualidade ímpar”, diz o pesquisador Manoel Filho.

A sofisticação das harmonias e melodias do estilo fez ainda com que ele se tornasse um veículo de exportação extremamente valioso. Em 1962, o Carnegie Hall, tradicional casa de espetáculos de Nova York, hospedou um grupo de bossa novistas de alta patente a convite de Sidney Frey, americano interessado em editar as canções em sua terra natal. – Tom Jobim, João Gilberto, Roberto Menescal, Luiz Bonfá, Sérgio Mendes e muitos outros desfilaram seu repertório para uma plateia formada para a plateia americana, que trazia ainda muitos jazzistas renomados.

“Basicamente todos que participaram desse concerto ficaram por lá pois as oportunidades foram infinitas! Só eu que voltei pois estava com o casamento marcado!!! E dei sorte pois acabei de completar 60 anos de casado e com a mesma mulher!!! Depois disso nossa música foi embora por esse mundo a fora! E quando o Japão também entrou, foi festa! E estamos por aí fazendo apresentações neste mundo inteiro!!!”, anima-se Menescal.

A partir dessa performance consolidou-se uma colaboração mais constante entre músicos brasileiros e internacionais (visto que Carmen Miranda, Laurindo de Almeida e o grupo Bola Sete ajudaram a abrir os caminhos da música brasileira por lá). Muitas vezes, os artistas nacionais ajudaram a recuperar trajetórias artísticas dadas como perdidas. Getz/Gilberto (1964) foi a tábua de salvação do saxofonista americano, cuja carreira tinha entrado nos estertores. Aliás, o próprio jazz passava por um período de baixa popularidade. Getz então aderiu à batida suave da bossa nova, recrutando não somente o violonista como também o piano de Tom Jobim e a voz de Astrud Gilberto, mulher de João. Getz/Gilberto vendeu dois milhões de cópias e foi para o topo das paradas americanas, sendo suplantado apenas por Hard Day’s Night, dos Beatles. No ano seguinte, ganhou o Grammy de disco do ano, primeiro prêmio dado a um álbum de jazz – algo que iria se repetir somente em 2008 com River: The Joni Letters, do pianista e arranjador Herbie Hancock.

A abertura do mercado americano proporcionou uma carreira internacional para diversos bossa novistas da primeira geração – entre eles o pianista acreano João Donato, admirado por Tom Jobim e João Gilberto, que trabalhou com os arranjadores Nelson Riddle, Claus Ogerman e com o trompetista Chet Baker, entre outros, e aprofundou seu estilo que combina samba e ritmos latinos. A Bad Donato, de 1970, por exemplo, combina bossa nova com funk e música psicodélica e pode ser considerado um dos pioneiros do Jazz Fusion. A geração seguinte, representada por nomes como Marcos Valle, Sérgio Mendes e Eumir Deodato, prosseguiu com essa fusão do samba moderno e gêneros internacionais. A bossa nova se tornou ainda mais pop e vendável. Mendes chegou a se apresentar para quatro presidentes americanos e até hoje reside em terras americanas. Valle, por seu turno, viu sua Samba de Verão ganhar mais de 140 regravações, entre elas pelo maestro americano Duke Ellington e pela pianista e cantora americana Diana Krall.

Praticamente integrada ao repertório internacional, a bossa volta e meia ressurge em pequenos movimentos. Os popstars ingleses dos anos 80 criaram a new bossa, presente em trabalhos da cantora nigeriana Sade Adu e dos grupos Matt Bianco e Style Council – este último liderado por Paul Weller, ex-vocalista e guitarrista do grupo punk The Jam. Nos anos 90, ela ressurgiu integrada ao drum’n’bass, movimento de música eletrônica. Esta vertente, aliás, se encantou com as criações de Marcos Valle e Joyce Moreno, que passaram a dialogar com as novas gerações de consumidores de música e partir dos remixes de suas composições a cargo de DJs consagrados – algo semelhante ao que é feito no Brasil pelo BossaCucaNova, que tem entre seus integrantes Marcio Menescal, filho do compositor e guitarrista Roberto Menescal.

Hoje em dia, o gênero se faz presente tanto no trabalho revisionista de cantoras como Diana Krall e Stacey Kent, como nos discos de Eric Clapton (Reptile, faixa-título de seu álbum de 2001, é uma homenagem a João Gilberto) como no mais furioso dos rocks. Recentemente, Robert DeLeo, baixista do grupo Stone Temple Pilots, disse que Interestate Love Song, sucesso do quarteto, nada mais é que uma tentativa de se criar bossa nova. Isso sem falar em The Girl from Rio, single com o qual a cantora Anitta se lançou a uma carreira internacional, e que soa como uma espécie de bossa eletrônica. Mas ainda há muito a ser feito. A começar pelo reconhecimento do próprio brasileiro. “Sessenta e cinco anos depois, o que realmente me preocupa é ver que para nós, brasileiros, ainda falta reconhecer e valorizar a bossa nova tanto quanto é no exterior. Para nós, ela ainda não conquistou o reconhecimento e o tão merecido status de patrimônio cultural brasileiro que lhe seria devido”, lamenta Bruna Ramos da Fonte, que lança livros dedicados ao gênero. “Desde que iniciei meu trabalho com Roberto Menescal, há quinze anos (iniciamos a nossa parceria no ano que a bossa chegava ao seu cinquentenário), me propus a escrever livros sobre o tema que pudessem alcançar públicos cada vez mais jovens e diversos, a fim de difundir a bossa nova entre as novas gerações. Acredito que a partir da redescoberta do movimento pelo jovem contemporâneo a bossa tem finalmente a chance de alcançar esse status”, finaliza. Uma missão que pode ser atingida, se depender dos bossa novistas.

Em 2022, João Donato lançou Serotonina, disco de composições inéditas e vibrantes. Joyce Moreno, por seu turno, lançou o inédito Brasileiras Canções e viu seu Natureza, álbum que fez ao lado do maestro alemão Claus Ogerman (o mesmo de Amoroso, de João Gilberto), chegar às plataformas de streaming 46 anos depois de sua gravação. Marcos Valle prepara diversas comemorações para seus 80 anos, que serão completados em 2023. Uma delas será um novo álbum, produzido por Daniel Maunick (filho de Bluey, criador do grupo Incognito, que também bebe na fonte da bossa nova), que será lançado no mercado internacional. Um gênero que desperta paixões e ódios em críticos e no público em geral é um legado atemporal e objeto de estudo e pesquisa por músicos e pesquisadores mundo afora, mesmo depois de tantas décadas de sua popularidade e queda. Ainda há muito o que se dizer além de um barquinho, um violão e um samba esquema novo.

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